quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Olavo tem razão (quando o assunto são os palavrões)

Olavo de Carvalho é um autor que desperta o ódio em inúmeros brasileiros, e admiração em muitos outros. A polêmica é um de seus maiores talentos, e não é sem motivo - em uma época na qual é tão difícil poder expressar-se francamente sobre tantos assuntos. Falar do islamismo é tabu - ainda que a maioria das pessoas que usam a expressão "islamofóbico" saiba absolutamente nada sobre a tradição islâmica ou Muhammad-, falar da militância "sex-lib" é tabu (ainda que a maioria das pessoas que usam a expressão "homofóbico" não saiba de onde vem o dinheiro para os partidos do modelo "PSOL")- falar de liberdade individual é tabu, porque pensar de forma independente tornou-se tabu: é necessário agradar aos pobres idiotas que raramente ouvem algo além de música pasteurizada, seja ela Funk, Techno ou Black Metal, ou decidem se arriscar a ler algo com um pouco mais de substância do que os best-sellers sobre fantasias sexuais juvenis. Boa parte da fúria criada pelo autor vem, conforme seus detratores, dos palavrões - exatamente de sua recusa em afagar quem merece uns bons tabefes.
Imagem: http://goo.gl/b20QBA

Nenhuma surpresa - uma geração acostumada a se agradar no conforto da televisão ou a demolir sua própria personalidade em temas absolutamente irrelevantes nunca estará preparada a ouvir algo que não quer. A auto-bajuação compulsiva oferecida pelas campanhas de "não há melhor ou pior" - o consumo repetitivo, efetivamente masturbatório, de produtos que só podem ser descritos como lixo - decompôs a inteligência da geração que critica Olavo, e de seus antecessores espirituais, educados pela onda de estupidificação que nasceu com os movimentos "lib" da década de 1960. O que deveriam ser movimentos de libertação individual se tornaram imensas explosões de imbecilização coletiva; a crítica da arte literalmente elevou a cânone o medíocre, o feio, o horrível, e demoliu qualquer possibilidade de busca bela beleza, harmonia e crescimento nos que se entregaram ao movimento. Mesmo algumas alas da esquerda passaram a ter nojo da modernidade - não é sem motivo que a onda conservadora do final do século XX seja formada essencialmente por ex-comunistas. As nações nas quais o marxismo se fez religião de Estado acabaram se tornando bastiões do conservadorismo e da antiquação estética - provavelmente uma resposta assustada ao que se passou com a "revolução sexual" no outro lado do muro. Os secretários-gerais devem ter pensado: "Isso vai vir para cá com o 'lib'? Não mesmo". Olavo viu tudo isso acontecer, enquanto ainda era militante comunista. Percebeu toda a degeneração moral da revolução, e buscou se aprimorar, distanciando-se do movimento que Tchernichevski comparou à própria tentação do poder, no deserto. Sua crítica feroz, sua linguagem quase maligna tem precisamente o objetivo de tirar quem ouve seus programas de rádio no extinto True Outspeak do torpor auto-complacente. É como uma tentativa de dar uns bons tapas no imbecil em êxtase, na vã esperança de que ele acorde.

A função dos palavrões no antigo programa de rádio é rigorosamente a das gárgulas nas antigas igrejas medievais. Por um lado, espantar os "espíritos malignos": espantar os idiotas que embarcam em qualquer grupo com o objetivo puro e simples de difamar e espalhar veneno - gesto inúmeras vezes motivado por uma aguda consciência de incapacidade ou mediocridade. Demolindo o vizinho, o medíocre se sente mais relevante. Difamando secretamente, o sujeito que o faz passa a se igualar (em sua fantasia) ao criticado; passa a se ver como alguém que possui qualidades faltantes no objeto do comentário. Olavo xinga o máximo que possa para que esses indivíduos fiquem bem longe do conhecimento que ele tem a oferecer - graças a este método, o verme ficará, pelo resto de seus dias, bem distante das obras de Frankl, Szondi ou Voegelin; jamais tocará um único tomo de Carpeaux, e provavelmente nunca saberá o que é "paralaxe", muito menos saberá o que acontece quando alguém possui uma visão da realidade que não corresponde com a sua real existência no mundo, ou a que fenômenos culturais e grandes tendências políticas na História estas concepções estão ligadas. Olavo xinga, xinga de verdade, diante de qualquer detrator. O professor ensina seus alunos a não terem medo do confronto -  não do confronto velado, dos difamadores e das velhinhas fofoqueiras, mas do confronto aberto, da disputa impiedosa e, o que é o mais importante, verdadeira, com todas as cartas na mesa. Não há artimanhas no debate de Olavo de Carvalho, há ataques letais, disparos da arma mais letal existente no mundo: a realidade, como ela é, crua e inquestionável.

O xingamento possui uma função muito específica no trabalho do filósofo: a de filtro. Quando xinga um criminoso, o faz com propriedade porque seus alvos em geral merecem o expediente (e Olavo pede mil perdões às pobres mães dos idiotas, ainda que, por vezes, elas mesmas iriam concordar com as reprimendas). Em outras ocasiões, os xingamentos apenas correspondem à realidade objetiva - aliás, nessas ocasiões não são sequer xingamentos, são descrições - quando Olavo diz que alguém é um assassino, é porque é mesmo. Quando o homem xinga um comentarista impetuoso, que faz uma crítica errônea - e dificilmente as críticas feitas ao professor correspondem à realidade do que ele pensa ou faz -, ele usa a linguagem grosseira para "limpar" a audiência: apenas aqueles que realmente querem aprender alguma coisa terão paciência para ouvir as ofensas. Quem puder perceber a diferença poderá tirar uma ou outra lição valiosa, como inúmeros já fizeram (Constantino em pessoa já teve de ouvir muitas, e acabou voltando a se corresponder pacificamente com o filósofo - fica evidente que o colunista pescou uma ou outra informação sobre a nova esquerda com Olavo). 

O autor brasileiro está montado na razão quado xinga. O público deste país se tornou muito frouxo com a mentalidade dominante - muito tolerante para com a mediocridade, muito simpático ao lixo e à fraqueza moral, muito benevolente para quem merece, na melhor das hipóteses, um tiro na nuca, à melhor moda Leninista. Os xingamentos de Olavo de Carvalho são pouco para o que a chamada "classe pensante" brasileira merece passar: os profissionais da grande mídia e a vasta maioria dos "artistas" precisam de umas boas chibatadas; o movimento conservador faz de tudo para ser jogado no Gulag ou na cova coletiva - aliás, se ainda não conseguiram essa recompensa foi apenas por relativa falta de competência e disciplina dos partidos comunistas. A história mostra que a tolerância para com o totalitarismo, a fraqueza, a indisciplina e até mesmo a simpatia para com a perversão moral terminam em tragédia para um povo, e situação presente é culpa de quem deveria estar lutando contra o movimento que mais ceifou vidas humanas no século XX. A deficiência moral da elite do país levou o Partido dos Trabalhadores e o Foro de São Paulo ao poder - a força que representa os maiores assassinos do continente, as FARC. Neste momento, cada militante conservador estaria de joelhos, com um fuzil enconstado na nuca, se um único dos Partidos Comunistas do Brasil tivesse um décimo da energia demonstrada por um estrategista como Vladimir Lenin - a bem da verdade, é exatamente isso que alguns idiotas entre os conservadores e liberais deveriam ter tido, e nenhuma dessas mortes seria uma perda para o país. A autopiedade apenas leva ao fracasso. Quando o escritor xinga, o faz para não bater, e não estaria errado se assim procedesse. Mas palavrões são o suficiente - quando se chuta a quina de uma cadeira, dizer "porra" é o bastante, não é necessário torturar a pobre peça de mobília. E é por isso que, também neste ponto, Olavo tem razão. 




Aquilo que se passa na cabeça de quem quer o desarmamento

Os argumentos desarmamentistas em geral são três: o primeiro assume que a maioria dos crimes são cometidos por indivíduos que não trabalham para o aparato estatal; o segundo assume que o acesso a armas de fogo facilita a ocorrência de acidentes fatais; o terceiro assume que é o dever do Estado, não dos cidadãos, promover a segurança. A observação das premissas de cada um destes argumentos permite ter um vislumbre significativo de como funciona o raciocínio de que defende o desarmamento, e ao mesmo tempo possibilita ver muito do que o apoiador das ideologias "socializantes" (como o comunismo e o fascismo) espera de políticas públicas.
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O primeiro dos argumentos - aquele que assume uma relação entre o acesso do público a armas de fogo facilita o cometimento de crimes - possui talvez, entre todos os argumentos a favor do desarmamento, o maior número de problemas. Em primeiro lugar, a própria Organização das Nações Unidas já emitiu parecer declarando que não há relação entre o desarmamento e qualquer redução nas taxas de criminalidade, em qualquer país. Apenas observar este fato já seria o suficiente para acabar qualquer discussão sobre o tema - o Brasil implantou leis de controle de armas (e esta política vem desde os anos de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, com a proibição do porte), ainda assim o número de homicídios no país foi de 41.000 por ano para mais de 55.000, em 2015. É um aumento importante - 15.000 mortes a mais, a cada ano, apesar até mesmo da redução nos indicadores de desigualdade social e do crescimento econômico que o país viu ao longo das últimas décadas. A criminalidade, como estes fatores apontam, pode não ter relação com o acesso formal às armas, nem com dados econômicos: variáveis culturais podem desempenhar papel muito maior no problema. Todavia, desconsiderando tudo o que já foi dito, é possível acrescentar apenas um fato: o maior volume de homicídios cometidos na História foi precisamente identificado em sociedades que promoveram políticas amplas de desarmamento. O governo chinês, por exemplo, adota uma política estrita de desarmamento desde que Mao Zedong conquistou o poder. No país comunista, apesar do desarmamento, ao menos dez milhões de pessoas foram assassinadas ao longo dos episódios conhecidos como "o grande salto adiante" e a "revolução cultural". A vasta maioria dos homicídios, nos dois casos, foi cometida por agentes armados do Estado, e não por particulares. O mesmo pode ser dito pelos genocídios cometidos na Alemanha nazista - que promoveu o desarmamento do povo judeu, a partir de lei aprovada em 1938 - e União Soviética - na qual, desde a tomada de poder por Lenin em 1917, um severo e amplo controle de armas foi aplicado. Isso quer dizer, em outras palavras, que, como a História mostra, os agentes do Estado são muito mais perigosos do que os cidadãos "comuns": os maiores crimes não foram cometidos em nome de interesses privados, mas ocorreram de fato para cumprir ordens de governos criminosos.

Sobre o segundo argumento, há muito pouco o que se considerar antes de perceber que é baseado em uma premissa falsa. Ela é a seguinte: "se algo pode provocar acidentes, então deve ser proibido". É um argumento pueril, na realidade. Carros provocam dezenas de milhares de mortes no mundo, todos os anos. No Brasil (no qual, aliás, existe uma lei de desarmamento em vigor), os carros provocam mais de 40.000 mortes por ano: em 2010, foram 42.844 (conforme dados do DataSUS) - um número comparável de homicídios "normais". Curiosamente, antes do desarmamento, menos pessoas eram assassinadas "pelas vias tradicionais" do que morriam em decorrência de acidentes de trânsito. Seguindo o raciocínio de uma pessoa que apoia o desarmamento, já que carros provocam mortes, deveriam estes ser proibidos? E se o argumento for válido para carros, por que não aplicá-lo a aviões? Navios? Trens? Prédios altos? Substâncias tóxicas - como a soda cáustica? Substâncias inflamáveis - como o álcool ou o gás de cozinha? As pessoas que defendem o "estatuto do desarmamento" não vão querer a proibição de todas essas coisas porque elas sabem que, por mais que estes produtos sejam perigosos e com um potencial incrível para tirar vidas humanas, não há relação entre a comercialização delas e o número de mortes, por um dado muito simples: acidentes, de todos os tipos e com todas as causas imagináveis, sempre vão acontecer. Assim é, assim sempre foi, em toda a História. Quem faz a defesa do desarmamento (como as pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores) a faz por interesses políticos e econômicos, e por pressão de organizações internacionais, como a Open Society Foundation - que suustenta a peso de ouro militâncias como as do PSOL, PSTU, dos Black Blocks e companhia. Voltemos ao tema: a premissa sintetizada pela frase "se um objeto pode provocar um acidente, esse objeto deve ser proibido" está errada. Se estreitada para o caso das armas, continuaria errada, simplesmente porque alguém continuaria a precisar das armas, como os indivíduos a serviço do Estado, e mais uma vez retornaríamos ao problema discutido no primeiro argumento.

A premissa que valida o último argumento pode ser uma das duas seguintes, a depender do argumentador: "há tarefas específicas que apenas o Estado pode realizar" ou "se o Estado realiza tal ou qual atividade, não há motivos para que os cidadãos particulares a façam". As duas estão erradas, em primeiro lugar, porque assumem que o Estado pode interferir sem restrições em um assunto tão íntima e seriamente ligado às vidas dos súditos "comuns". O direito à legítima defesa é reconhecido em inúmeros países há centenas de anos - na Inglaterra, desde o século XIII, nos EUA, desde a promulgação do Bill of Rights, e até mesmo no Brasil, apesar da contraditória lei de desarmamento em vigor. Se o Estado proíbe o acesso a armas, na prática, está proibida a legítima defesa: um idoso não pode se defender de um agressor mais jovem e forte sem uma arma de fogo, assim como um deficiente físico ou um mulher mais frágil fica completamente à mercê de um criminoso com maior vigor. As armas são o "nivelador" de força entre as pessoas com saúdes mais frágeis e pessoas que decidem cometer um delito: são, em última análise, aquilo que torna a mera hipótese de defesa algo tangível. Desarmar a população ao mesmo tempo em que nominalmente se garante o "direito à legítima defesa" é como proibir os jornais e uso de todos os outros meios de comunicação enquanto se garante formalmente a "liberdade de expressão". Liberdade de expressão, sem os meios para seu usufruto, é censura pura e simples. "Direito à legítima defesa", sem os meios para seu exercício, é fraude legislativa. Mas podemos explorar ainda mais as premissas do argumento, como veremos a seguir.

A que dita "há tarefas específicas que apenas o Estado pode realizar" têm validade em casos como "o estabelecimento de tribunais". Provavelmente a maioria das pessoas concorda que só o Estado deve estabelecer um poder judiciário, isto é verdade. Todavia, a sentença não tem qualquer validade para a "defesa pessoal", simplesmente porque este é um campo específico e flúido, que simplesmente foge às possibilidades reais de atuação do Estado. O Estado nunca será capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, e é por isto que, em tantos países do mundo (como Suíça, Hungria, República Tcheca, Canadá, Argentina, Chile, Sérvia, inúmeros países árabes, Finlândia, Suécia e Estados Unidos), é possível adquirir uma arma de fogo, e eventualmente utilizá-la para a legítima defesa, em uma inúmera lista de possibilidades (desde defesa contra invasões à propriedade, tentativas de roubos ou tentativas de agressão e homicídio). O Estado, de fato, deve garantir a segurança dos cidadãos, mas isto não implica que eles estejam proibidos de fazê-lo - simplesmente porque o Estado não pode proteger a todos em todas as situações, e nunca será capaz de fazê-lo, pelas próprias limitações logísticas associadas a qualquer atividade humana.

Quanto à premissa "se o Estado faz isto, não há razões para que os particulares o façam", ela é inválida pela mesma razão que seria absurda a proibição de escolas particulares, uma vez que o governo estabelece escolas públicas. A existência de uma não inviabiliza a existência da outra. Da mesma forma, a existência dos bombeiros militares no Brasil não indica que seja desnecessário possuir extintores de incêncio em um prédio residencial ou comercial. A premissa é inválida, em primeiro lugar, pelas mesmas limitações logísticas discutidas no parágrafo anterior, e, em segundo lugar, porque extrapola a aplicação de sua própria formação verbal: é apenas um "jogo de palavras". É equivalente a dizer: "João não precisa almoçar porque José acabou de comer". Por incrível que pareça, o raciocínio estúpido por trás da premissa é repetido incansavelmente por defensores do desarmamento no Brasil e em outros países. O que é pior: essas pessoas são levadas a sério. Quando enfrentando um argumento deste tipo, tudo o que um defensor das liberdades individuais deve fazer é dizer o seguinte: "tudo bem, senhor político desarmamentista, então, a partir de agora, está proibida a contratação de seguranças particulares - inclusive os seus - assim como será crime a a instalação de equipamentos de segurança de empresas privadas, uma vez que a proteção dos cidadãos já é garantida pelo Estado". Qualquer pessoa que possua um cérebro em funcionamento normal, neste país ou em qualquer outro, sabe que o Estado não é tão confiável assim.

O aspecto mais negativo da militância desarmamentista é que ela reduz o cidadão à condição de "submetido às" políticas estatais, à situação de um "coitado" a ser acolhido pela figura paterna do aparato governamental. Ela reduz a capacidade de ação humana a uma força a serviço dos interesses e objetivos da casta dominante, transforma indivíduos plenamente capazes em figuras frágeis e indefesas. Ela enfraquece, literalmente, a sociedade civil, e dá ainda mais poder à assustadora maquina assassina que é o Estado moderno. Não é exagero dizer que as políticas socializantes são, em geral, "alimentar o maior monstro que a humanidade já viu". Uma coisa que Vladimir Lenin, Adolf Hitler, Mao Zedong e Nicolás Maduro têm em comum, além de terem promovido o desarmamento da população civil, é seu "status": todos estavam no topo da pirâmide de poder estatal.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Legislação trabalhista brasileira - herança fascista de Getúlio Vargas e arma da elite burocrática nacional

O seguinte texto foi escrito como artigo proposto para a disciplina Direito do Trabalho, do curso de Administração da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2015.


O princípio da proteção ao trabalhador foi instituído com o objetivo de proteger a parte mais frágil na relação trabalhista – a parte que possui menos recursos materiais, financeiros e mesmo, muitas vezes, políticos, para uma disputa jurídica. A adoção deste direcionamento no direito do trabalho brasileiro teve início nas primeiras décadas do século XX, notoriamente sob o regime de Getúlio Vargas, criador da CLT, sob inspiração da lei do "Estado Social" de Benito Mussolini, ou o regime fascista italiano. A lei, de clara inspiração socialista, visa integrar o trabalhador à empresa, assegurando estabilidade, protegendo-o contra abusos do empregador, contra inúmeras contingências e situações que lhe ofereçam riscos e danos das mais variadas naturezas.
Getúlio Vargas: ditador fascista elaborador da CLT, inspirada
na legislação de Mussolini conhecida como "Carta del
Lavoro"
Imagem: Diário dos Campos

Deve-se lembrar, a respeito da principal lei norteada pelo princípio da proteção ao trabalhador e sobre o período histórico no qual a peça de legislação brasileira discutida veio à existência, que o personagem líder do Estado fascista italiano, criador da "Carta del Lavoro", foi quadro importante do partido de Antonio Gramsci durante ao menos uma década, filho de militante anarquista e notório simpatizante do sistema socialista soviético. Conforme o jornalista Eduardo Godoy Figueiredo, o ditador permaneceu fiel ao ideal leninista por toda a vida, e elaborou o fascismo como uma forma de otimizar a economia de mercado em favor do sistema socialista – chegava ao ponto de declarar publicamente que "é impossível rezar a Deus, pois acredito somente em Stalin" (Mussolini, página 223). O modelo proposto por Mussolini visava associar os ditos interesses "a favor do proletariado" do comunismo soviético com a eficiência do sistema capitalista das economias de mercado, em uma cópia da NEP de Lenin – que, à época da tomada de poder por Mussolini, já demonstrava resultados superiores aos dos obtidos pela catástrofe humanitária do comunismo de guerra e das primeiras tentativas de coletivização forçada. Mussolini pretendia destruir o que entendia como "a democracia burguesa" usando "a corda feita pelos próprios burgueses" (citação célebre do fundador do regime soviético), após a criação de um tipo de totalitarismo socialista-corporativista. A própria origem do termo "totalitarismo" é atribuída não a Stalin, que efetivamente aplicou o modelo antes dos italianos, mas ao próprio Mussolini, que definia o sistema do "Estado social" totalitário com as máximas "tudo no Estado, tudo pelo Estado e nada contra o Estado". É um fato desconhecido do público universitário brasileiro, mas os planos quinquenais ("pyatletka") soviéticos seriam amplamente copiados pelos regimes fascistas, inclusive pelo Nacional-Socialismo alemão (nos planos quadrienais): planificação, estatizações e uma forte legislação trabalhista eram entendidos como fatores que assegurariam prosperidade econômica para os trabalhadores. Vargas, atento às inúmeras correntes políticas que defendiam projetos totalitários e "planificados" de economia e governo, assumiu que os trabalhadores brasileiros seriam mais protegidos sob um modelo similar ao italiano, o que levou à criação da CLT. 

Apesar dos inúmeros problemas identificados nos países que possuem legislações intervencionistas expansivas, como, em extremo, os países do socialismo marxista-leninista e os Estados fascistas ou nacional-socialistas, o nascimento das legislações de proteção ao trabalhador é um fenômeno compreensível, dadas as condições de extrema pobreza em que os trabalhadores viveram nos primeiros momentos da industrialização. Apesar das catástrofes econômicas e humanitárias (incluindo as grandes fomes, como o Holodomor) criadas sob todos os regimes socializantes, aqui incluindo tanto os do espectro fascista quando os do campo leninista, as leis de proteção foram criadas em épocas nas quais a economia desses países era, em conjunto, quase feudal (como no caso da Rússia soviética). Entendia-se que assegurar direitos em lei e teoria converteria os esforços legislativos em progresso econômico de fato. A Itália também vivenciava apenas os estágios iniciais da industrialização, e seus trabalhadores ainda viviam sob uma penúria comparável à experienciada por inúmeros países do chamado "terceiro mundo" contemporâneo. Como na Inglaterra do século XIX, os esforços dos movimentos políticos socializantes - de todas as nuances - eram realizados com o intuito de aprimorar as condições de vida da classe trabalhadora. O caso brasileiro é similar - dado que a industrialização só teve início após a segunda metade do século XIX. Os grandes movimentos operários só começaram efetivamente a se organizar nos primeiros anos do século XX, com forte influência dos imigrantes. Por uma infeliz coincidência, o período era também o do sucesso internacional dos movimentos totalitários que se revelariam os mais assassinos da história da humanidade, e é por esta conjugação de fatores que a lei brasileira acabou por ser abraçada pela ditadura fascista de Getúlio Vargas.

Apesar dos inúmeros crimes cometidos pelo regime, que, a título de curiosidade, prendeu entre 7.000 e 15.000 inimigos políticos (dados em estimativa conservadora contra estimativa extrema) apenas no ano de 1935, como pode ser lido em artigo de Petrônio Domingues, doutor em História pela Universidade de São Paulo [ver referência 1, após o texto], é preciso afirmar que as medidas adotadas pelo governo Vargas criaram resultados positivos para a classe trabalhadora. A garantia de estabilidade, a instituição do salário mínimo nacional, do descanso semanal recompensado para todos os trabalhadores, da jornada de oito horas e a regulamentação do trabalho feminino e de menores de idade foram resultados positivos da tendência socializante de Vargas, e que ainda hoje, por inúmeros fatores e mazelas, não são efetivamente levados a todos os trabalhadores do Brasil. 

Quatro décadas depois do Estado Novo e ainda após um segundo período ditatorial selvagem - nos anos entre 1964 e 1985 -, em 1988, o Brasil finalmente obteve sua atual constituição democrática, pautada nos ideais de um Estado democrático de direito, do império da lei e da garantia das liberdades individuais mais elementares, como as liberdades de expressão e o direito de ir e vir. Apesar dos inúmeros avanços econômicos, sociais e políticos que o país viveu, seja com o progresso industrial e agrícola pátrio, com a garantia legal de direitos trabalhistas ou com a lei máxima do país que, em teoria, assegura a proteção do indivíduo contra a tirania, os trabalhadores ainda são vitimados através de inúmeros expedientes adotados por patrões inescrupulosos, protegidos ora pelo desconhecimento de direitos que aflige boa parte da população, ora pela conivência de agentes públicos.

O trabalho escravo ainda é, em pleno século XXI, uma realidade que flagela milhares de pessoas no território nacional, seja no campo ou seja nas cidades. Nas grandes metrópoles já existe um grave problema de uso de trabalho escravo de imigrantes ilegais oriundos de países vizinhos, como a Bolívia. Esses trabalhadores são submetidos a condições de trabalho sub-humanas, sem direito a descanso ou mesmo a remuneração, através de um sistema homólogo ao da chamada "escravidão por dívida" (que já existiu no Brasil também sob a forma do regime de parcerias para imigração, no século XIX). A escravidão dos imigrantes provenientes da América Latina ocorre em fábricas irregulares de roupas e outros artigos, e abastece até mesmo algumas marcas importantes que concorrem no mercado nacional. As constantes operações da polícia brasileira contra estes esquemas criminosos de exploração do trabalho constantemente resultam em divulgação nos meios de comunicação [2], mas, para grande surpresa do público nacional, geram poucas ações de peso ou manifestações eficazes e amplas por parte dos sindicatos nacionais, que parecem ocupados com questões mais relevantes que a brutal exploração da classe trabalhadora, como, por exemplo, a demanda por salários melhores para os parcamente remunerados auditores da receita federal. É notório que ao menos uma das grandes lojas de departamento faz uso da mão de obra dos novos escravos para produzir itens baratos e competitivos [3].

Apenas a existência de tal forma monstruosa de exploração dos trabalhadores em solo brasileiro já seria uma razão suficiente para a manutenção das leis trabalhistas, que podem existir ao menos como uma remota perspectiva de punir os responsáveis pela escravidão, ainda que se saiba o quanto é difícil punir um criminoso no Brasil – e ainda que se considere o quão "generosas" são as punições para toda a sorte de crimes medonhos nesse país. Todavia, o flagelo da escravidão não existe apenas nas cidades: existe e é ainda mais feroz no campo, onde até mesmo agentes públicos fazem uso das mesmas ferramentas de opressão e exploração [4]. A mão de obra escrava é empregada no cultivo de gêneros como a soja e a cana, e esta forma criminosa de exploração dos trabalhadores se dá principalmente nas áreas do interior das regiões Norte e Nordeste. O modelo é similar ao empregado nas confecções: são oferecidos salários de fome, quando tal "benefício" existe, alguma alimentação precária fica disponível para os trabalhadores, que são sistematicamente submetidos a agressões físicas ou mesmo ameaçados de morte em caso de fuga ou denúncia. Este processo também ocorre em áreas de exploração madeireira e de produção de carvão, até mesmo com crianças, mais uma vez, com pouco eco nas inúmeras organizações sindicais nacionais, que com certeza possuem tragédias humanitárias mais importantes com as quais se preocupar. A conivência e mesmo a participação de representantes do poder público nos esquemas de uso de trabalho escravo dá testemunho da complexidade da questão laboral brasileira, na qual, por vezes, pode se ter a impressão de que os representantes de sindicatos mais se comportam como patrões do que como trabalhadores, ou de que o objetivo último de todas as dezenas de organizações e partidos que dizem representar os trabalhadores é, com toda a evidência, mais buscar meios para participar da "classe dominante burocrática" (ou "casta", para usar a terminologia marxista) do que efetivamente defender os interesses do proletariado. Dentro desta situação trágica, a existência da legislação trabalhista brasileira deve permanecer ao menos como um apelo para que haja luta por melhorias na situação dos trabalhadores: um tipo de chamado às consciências dos muitos líderes de partidos que tão frequentemente tomam as vozes dos necessitados em nome de seus próprios programas, interesses e "companheiros de viagem".

Ao mesmo tempo, a legislação atual possui defeitos que precisam de resolução. A antiga regulamentação dos funcionários terceirizados não permitia que estes recebessem tratamento médico das contratantes dos serviços terceirizados, por exemplo – fato que deve ser mudado em qualquer futura regulamentação desta modalidade de trabalho. A mudança proposta para as regras de terceirização criava situações de precarização do trabalho e possibilitava redução nos direitos trabalhistas: este problema deve ser discutido para uma avaliação sóbria a respeito dos reais benefícios que isto pode trazer para o trabalhador, através da avaliação de o quanto uma flexibilização pode ser arriscada, em termos de uma perda de benefícios reais e ganho de direitos ou mesmo de abertura de novas oportunidades. Enquanto uma lei supostamente garante direitos e promete benefícios futuros, é dado notório que os efeitos de uma legislação podem ser o contrário do objetivo proposto. Um exemplo clássico é a regulamentação das inúmeras atividades informais no Brasil: uma tentativa municipal de controlar o comércio informal em praias (através do chamado "choque de ordem"), ao invés de promover a formalidade e o crescimento do comércio, enforcou a estrutura de abastecimento das praias, e promoveu um verdadeiro festival de prisões arbitrárias e brutalidade contra os trabalhadores pobres, muitas vezes provenientes das áreas da periferia carioca, que dependem do comércio informal para seu sustento e de suas famílias. O mesmo processo de obtenção do "contrário do esperado" já se deu com diversas iniciativas de criação de legislações de proteção aos direitos dos trabalhadores e benefícios sociais, no Brasil e em outros países: o endurecimento das leis trabalhistas tornou os trabalhadores brasileiros os menos procurados do mundo pelas empresas que buscam mão de obra para incontáveis áreas da atividade econômica, e contribuiu para tornar a mão de obra brasileira a mais ineficiente das Américas [5]. Entre os países sul-americanos, o Chile, por exemplo, adotou políticas econômicas menos intervencionistas e uma legislação trabalhista menos expansiva, conseguindo, dessas forma, consolidar um mercado competitivo, que apresenta crescimento notoriamente melhor que o brasileiro, oferecendo condições de vida muito mais favoráveis aos trabalhadores chilenos do que a enorme profusão de leis trabalhistas do Brasil deixaria parecer. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à educação no Brasil: enquanto os grandes esforços governamentais foram realizados com o intuito de expandir a quantidade de recursos usados na formação dos estudantes [6], os resultados dos estudantes brasileiros nos exames internacionais se tornaram cada vez piores [7]. Exatamente o mesmo pode ser dito a respeito da empreitada governamental para controle da violência, através do chamado "estatuto do desarmamento": conforme dados da pesquisa "Mapa da Violência", desde a primeira legislação de controle de armas, aprovada em 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, e ainda após a lei do desarmamento de 2003, o número de homicídios no Brasil passou de 40.000 por ano para mais de 55.000 – número superior ao total de vítimas iraquianas e americanas durante toda a segunda guerra do Iraque, incluindo os mais de cinco anos de ocupação. De fato, o que todo o empenho dos governantes fez foi tornar o povo brasileiro um dos mais burros e o mais assassino do mundo. A empreitada colossal das inúmeras campanhas de expansão quase ilimitada dos direitos trabalhistas não é original em nenhum sentido: é apenas o eco do modelo varguista, que poderia ser a moda mais atrativa dos anos 30 do século passado, mas que configura muito mais um problema do que uma resposta efetiva aos problemas do trabalhador brasileiro, que agora também é vitimado pelo desemprego. Enquanto a lei trabalhista sequer é capaz de ser efetivamente aplicada até mesmo para o fim da escravidão - um problema do século XIX -, ela também se mostra um acréscimo ao atual quadro galopante de desemprego e demissões em massa, por uma razão muito simples: é mais fácil contratar um trabalhador em qualquer país que não seja o Brasil. O governo é, ao que tudo indica, não apenas a grande peste responsável pela morte de milhões de seres humanos sob os regimes estatizantes do século XX (aliás, foi precisamente a máquina que tornou possível a indústria do genocídio em Auschwitz, no Holodomor estalinista ou nos campos da morte do Kampuchea Democrático): é também a doença que drena as forças e oportunidades dos trabalhadores brasileiros. Enquanto o aparato estatal se mostrou capaz de matar mais seres humanos que a Aids, o Ebola e a Gripe Espanhola, somadas, o mesmo também se mostra perfeitamente apto a infernizar os operários pobres do Brasil, expulsando investidores e acabando até mesmo com o já humilde poder de compra que os mais pobres conseguem, através de fenômenos econômicos como o chamado imposto inflacionário.

A triste realidade brasileira é que nem os legisladores nem o povo compreenderam que o modelo caudilhista não tem futuro. Enquanto todo o mundo adota políticas de trabalho menos burocráticas e nas quais tanto o trabalhador como o empreendedor podem agir com mais liberdade, o Brasil se apega à velha mentalidade, acreditando que a letra da lei é garantia contra o mundo real. A realidade da vasta maioria dos trabalhadores não é um emprego estável e bem pago, com aposentadoria integral. A realidade do povo brasileiro é a incerteza do dia e do emprego de amanhã, seja sob um patrão onipotente protegido por uma lei que torna todo e qualquer malfeitor uma entidade intocável, seja sob um humilde emprego como vendedor, que a qualquer momento pode sentir todo o peso da "formalidade" na forma do porrete de um guarda municipal contra os dentes, na forma da humilhação e perseguição, qual cachorro, em praça pública. A realidade do trabalhador brasileiro é buscar o emprego "que aparecer", como aparecer, garantir o que puder, se assim a sorte quiser. Poucos conseguem viver as delícias prometidas pelo nosso "bacharelismo" jurídico: o dia a dia do brasileiro médio é muito mais baixo. Enquanto todas as legislações são discutidas e "aquilo que deveria ser" continua nas imaginações de todos os teóricos, o trabalhador ainda precisa encarar a verdade dos fatos todos os dias. E ela é a seguinte: quem quer trabalhar, não pode, e se insistir, pode apanhar, ser preso e perder todo o pouco que tem. Entre os que podem trabalhar, há muitos que não querem, e ainda assim possuem absolutamente todos os seus direitos resguardados – aliás, até querem mais, porque tudo ainda é pouco. A tristeza perene do Brasil é a hipocrisia monstro do funcionário público do ápice da sociedade, que quer sempre mais dinheiro, devidamente roubado dos que não podem resistir à máquina carnívora do Estado – é a hipocrisia do mesmo juiz, auditor, deputado que diz se preocupar com os mais humildes, mas cospe em um a cada vez que o pobre de verdade aparece, pedindo humildemente um trocado, ou vendendo uma garrafinha de água. Apesar de todas as leis que asseguram todos os direitos, o trabalhador pobre continua sem estudos, sem escola, sem hospitais – resta apenas a teoria, o papel, a falsa promessa, a mentira desavergonhada. Dinheiro, o pouco que o mais pobre consegue receber, é perdido aos nacos para a inflação, que não é pequena. Antes houvesse pouca lei - mas eficaz, seguida e respeitada - e muito trabalho, antes houvesse pouca fantasia e muito dinheiro nos contas dos que hoje são humildes e estão fora dos sistemas de privilégios. Antes houvesse pouca imaginação de toda a conversa sindical, mas que a pouca imaginação e bela conversa estivessem acompanhadas de pouca inflação. 


É dito que o Brasil é o país no qual o sucesso é considerado uma ofensa pessoal. É o país no qual o sonho de muitas crianças (aliás, de muitos adolescentes e de muitos adultos que acabaram de entrar no mercado de trabalho) é "ser um aposentado". O grande anseio presente na mentalidade nacional - estimulado pelo estamento sindical-burocrático - é a mediocridade, o formalismo hipócrita e o desprezo pelos mais pobres e que tentam a vida sem o título ou sem as carteiradas. Ninguém quer ser astronauta na terra de Vargas: todos querem apenas uma fila do INSS. Esse é um retrato da tragédia brasileira, e de toda a miséria e sofrimento da classe trabalhadora de nosso país. Fazendo coro com a lei, que deve existir, apesar de tudo, o Brasil é o país no qual tudo deveria ser, e nunca foi. Como diria o poeta russo, assim foi, assim é e assim será.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O Bolivarianismo treme

O comunismo (e os movimentos de esquerda, em geral) é extremamente impopular, e normalmente desperta reações de ódio em qualquer nação na qual venha a se estabelecer, seja na forma de regimes totalitários de partido único ou sob a máscara de "socialismos democráticos", como ocorre nos países escandinavos - supostamente, onde a social-democracia criou "paraísos esquerdistas", mas, na realidade, onde os movimentos "marxianos" acabaram por instituir sistemas paranóicos, quase esquizofrênicos, de assistencialismo e policiamento até de pequenos comportamentos individuais, intitulados pelos súditos de "hospícios" (fica a recomendação da leitura de "Madhouse", do autor sueco Daniel Hammarberg). A reação polonesa ao modelo esquerdista é proverbial, mas não isolada - Ucrânia, os países bálticos, a República Tcheca, a Hungria e até mesmo a Rússia vivenciam ondas de movimentos anti-comunistas (alguns dos quais possuem viés nacional-socialista, racista, antissemita e outros do campo autoritário) que apenas dão testemunho da reação de desgosto provocada pelo projeto, nas mais diversas comunidades. A Venezuela entrou para o rol de países que criaram franca antipatia pelo esquerdismo - como testemunhado nas últimas eleições -, a Argentina vivencia o mesmo e o Brasil já é forte candidato a adotar uma postura "lituana" diante do Partido dos Trabalhadores. O que se observa na América Latina é exatamente o mesmo tipo de fenômeno que levou ao colapso do socialismo no leste europeu: ira despertada por uma propaganda utópica francamente mentirosa e pela catástrofe econômica e social. O problema, para os companheiros, é que o ódio popukar ameaça o projeto "muy guapo" do super-partido chamado Foro de São Paulo.

O gradual enfraquecimento do esquema de poder inaugurado por Lula e Fidel Castro começou a ser observado nas ondas de protestos populares em anos anteriores contra o governo de Cristina Kirchner. A líder Argentina enfrentou greves, panelaços, paralizações importantes na economia e até mesmo teve de encarar de frente sindicatos do país, que, teoricamente, deveriam constituir a base de apoio de um governo que se considera herdeiro da mentalidade política de Perón, ou, ainda mais grave, de um governo que se supõe aliado dos "partidos da vanguarda" do proletariado latino-americano, através do Foro. Para sua grande frustração, o povo argentino, que deveria ser a espinha dorsal de um regime populista, se mostrou seu maior antagonista, e, em grande ironia, enfraquecida justamente pelos sindicatos que gostaria de representar, Cristina acabou por perder as eleições contra Macri, ainda que por tabela, na figura de seu sucessor, Scioli. A derrota de Cristina Kirchner foi uma grande punhalada no corpo do Foro, mas não foi a única.
Mauricio Macri, novo presidente da Argentina
Imagem: http://goo.gl/A1MJly

O regime socialista venezuelano vem enfrentando protestos importantes, que começaram ainda nos anos do governo de Hugo Chávez. A população inicialmente se mostrou indignada com os graves problemas de abastecimento que flagelam o pais, com escassez de inúmeros artigos básicos de alimentação, higiene, com uma inflação galopante e até mesmo com falta de medicamentos. A penúria "soviética" que aflige os venezuelanos não é o único tormento: o país também registra um aumento expressivo da violência urbana, que surge para coroar o cenário de caos econômico e civilizacional criado por mais de uma década de sistema bolivariano. Vale lembrar: o governo também criou uma lei de desarmamento, que, até o momento, apenas contribuiu para agravar os números de homicídios por ano, já vistos como entre os piores do continente, competindo com os dados brasileiros. Os súditos do chavismo se revoltaram contra este verdadeiro calvário, e a resposta estatal não ajudou em nada a imagem interna do poder socialista: durante as revoltas, centenas de manifestantes foram presos, muitos outros entre os revoltosos foram feridos, e o número de vítimas fatais é contabilizado às dezenas - mais recentemente, até mesmo um candidato da oposição foi assassinado, em público, no palanque. "Quem tem olhos, veja" segue o ditado, e, de fato, os venezuelanos vêem: Maduro acaba de sofrer uma pesada derrota, no momento em que sua oposição conquista a maioria dos postos no parlamento. O governo revolucionário está diante de um dilema: ou reprime a oposição com brutalidade já conhecida, criando ainda mais descontentamento e ódio ao sistema socialista fundado por Chávez, ou aceita a oposição, entrando em um dilema já vivido pelo camarada Jaruzelski, que, como já visto, termina mal (para os vermelhos, naturalmente).

Dilma Rousseff, pobre coitada, não poderia estar em pior momento. Humilhada por uma crise econômica de proporções diluvianas, colocada em postura ruminante por um processo que ameaça tomar seu mandato movido pelo TSE e ameaçada por um parlamento hostil, que mastiga gostosamente um processo de impeachment contra ela, a sucessora do "menino de ouro" das esquerdas, Lula da Silva, a presidente apenas pode tremer e tentar se defender, o melhor que pode. Não que o melhor dos esforços jurídicos e políticos seja algo irrelevante, longe disso. O PT é a maior máquina burocrática, política e talvez a segunda maior máquina militar do país, alicerçada em uma vasta rede de "soldados" a servir no MST, na CUT, na UNE, nos Black Blocks - tão celebrados pela esquerda do "socialismo e liberdade" e até por um famoso jornalista de notória simpatia pelo socialismo. O PT, suas filiais - UNE, CUT, os partidos da esquerda "alternativa" e companhia -  e o exército do Stédile contam com um quase infinito tecido de assessores jurídicos, de auto-falantes nos veículos de comunicação e empreendimentos artísticos financiados com propaganda das estatais e até mesmo com um grande leque de simpatizantes estrangeiros. Entre os mais entusiasmados - e mais perigosos, sob o ponto de vista bélico - estão os barulhentos colegas das repúblicas bolivarianas, que não hesitam em fazer ameaças abertas, como já dito pelo senhor Evo Morales e pelo enfraquecido Nicolás Maduro. Apesar de toda a estrutura política, de todo apoio econômico e militar, seja ele fornecido pelos colegas membros do Foro de São Paulo como Farc, Venezuela, Bolívia, ou ainda apesar da bajulação da mídia "domada" pelos recursos de propaganda, ou mesmo com todo o financiamento proveniente da própria corrupção que caracterizou quase ontologicamente o Partido dos Trabalhadores, Dilma sofre como um moribundo. A onda de manifestações que abala o Brasil desde 2013 criou uma ferida gigntesca no sistema do Foro de São Paulo, ao menos neste país. Os ataques diretos, desrespeitosos, quase selvagens à figura da presidente dão prova de que o desafio dos petistas é muito maior do que toda a falange de para-choques deixaria parecer. Em qualquer outro momento, o "bolivarianismo" estaria seguro. Na atual crise, encontra-se formalmente confortável, mas à beira do abismo, na prática. O que está acontecendo na América Latina mostra que nem todos os bajuladores, nem todo o dinheiro, nem todas as armas e nem todos os assassinatos políticos cometidos pela esquerda podem salvar um regime socialista, como não salvaram na Europa Oriental. Os acontecimentos dos próximos anos poderão dar mais um testemunho de que a "utopia" prometida por estes regimes não vive, simplesmente porque é incompatível com a natureza humana. O que a implantação forçada - e por vezes violenta - do modelo faz é: criar desilusão, sofrimento, morte e, por fim, sua própria destruição e infâmia. Que os brasileiros possam se ver livres desse mal que já ceifou tantas vidas, em breve. 


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