quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Sobre a ideologia e o direito de ir e vir

Russell Kirk e Eric Voegelin entendem o conceito de ideologia como o espectro das formas de ver o mundo que assumem um conjunto de diretrizes programáticas como o caminho para um "futuro perfeito", para um "novo mundo" - como canta o primeiro hino da União Soviética - ou mesmo para a reconstrução da humanidade da genética até o intelecto que levará ao advento do "homem novo" - o "homem ariano perfeito", ou a "humanidade pura" que Karl Marx enxerga em germe na condição da classe proletária. Ideologia não é apenas uma ideia que eventualmente possa ser tida pelo sujeito A ou B, longe disso. Não é um preconceito ou suposição que possa ser desenvolvida, ainda que por um integrante de um partido político. É um processo mental, quase uma reação alérgica imediata, que associa tais ou quais máximas a um futuro idílico no qual a humanidade poderá "viver na mais perfeita democracia, ou no qual "não haverá classes" ou no qual os homens serão "racialmente puros". É evidente que essas são apenas algumas das possibilidades prometidas pelas ideologias - a promessa de um "futuro ecologicamente sustentável", ou da prometida "paz mundial" também são retratos perfeitos do conceito de ideologia. Um aspecto perene de toda e qualquer ideologia é a caricatura grosseira de elementos que atraem a todas as pessoas - "igualdade" é algo positivo: a maioria dos homens querem ser tratados com justiça e equanimidade, o que não significa que a maioria dos homens estejam dispostos a exterminar até o último dos indivíduos que promovam a desigualdade ou ainda a enviar para campos de concentração toda e qualquer pessoa em discordância com a autoridade promotora da "igualdade". "Justiça social", seja lá o que quer dizer, soa como algo desejável, todos, presumivelmente, pensam que o trabalho escravo é uma prática condenável, e esperam que as pessoas responsáveis por esse tipo de prática sejam mais cedo ou mais tarde levadas a julgamento - e tudo isso não resulta em concordar com o genocídio da outra metade da raça humana, que possa eventualmente ter uma ideia diferente de "justiça social" como, por exemplo, as nações de fé corânica. O livro de Muhammad - que era, aliás, um homem honrado, apesar do que se faz em nome da religião por ele fundada - autoriza a escravidão e o concuinato. Então, deve-se construir um novo "paredón"? É lógico que a resposta seja negativa. Mesmo a liberdade, valor tão precioso do Ocidente, possui limites naturais, que a fazem ter sentido e preservar-se. Amar a liberdade significa, por exemplo, punir aqueles que, com sua própria liberdade, tomam ações que acabam com a liberdade alheia, ou ainda com as vidas ou com o intelecto. E, de fato, o que a ideologia da liberdade absoluta faz é a caricatura do valor, uma deformação grotesca que só vai acabar por matar o pilar da democracia que alega defender.

O presente texto, como pode-se presumir, falará a respeito da atual crise dos refugiados oriundos do Oriente Médio, mais especificamente, dos países conquistados pelo extremismo religioso - esse mesmo, o do estandarte negro no qual está registrada a declaração de fé. E falará também sobre por que a liberdade absoluta apenas poderá acabar com qualquer liberdade, quase que necessariamente, em uma síntese que provavelmente será celebrada pelo movimento revolucionário como um primor da estupidez "democracista" - tomo aqui a liberdade de condensar nesse termo aquilo que Russell Kirk criticava nas administrações republicanas responsáveis pela intervenção no Iraque. A sequência de constatações lógicas que levam ao desatre, já testemunhado pelos europeus, é quase implacável - um fato "como dois mais dois são quatro". Para colocar em resumo, primeiro vamos lembrar de dois fatos simples: só possui liberdade absoluta aquele que tem poder absoluto, o que, obrigatoriamente, significa que os indivíduos mais próximos da liberdade absoluta são os tiranos. "Reis e Imperadores" são livres para habitarem onde for mais agradável, em seus domínios. Ditadores são livres para fazer as extravagâncias mais imorais e doentias; têm em suas mãos os meios para fazer absolutamente qualquer uma de suas vontades contra seus súditos, como fez o governante da "Coreia Popular" ao jogar às feras um de seus generais. Aliás, o mais novo rebento da dinastia vermelha estudou na Suíça - seus filhos, assim como ele, terão o poder e a riqueza para estudarem onde seus caprichos desejarem. Uma vez constatado o primeiro fato, "só os tiranos possuem liberdade absoluta", vamos ao segundo: a liberdade, para estar mais próxima de todos os cidadãos, precisa ser limitada. Este não é um "manifesto pela ditadura", longe disso. A Revolução Americana foi feita "contra os reis", contra a maldição jogada por Deus sobre a humanidade no Antigo Testamento: "querem um rei? Então são livres para padecerem sob os punhos do tirano". Os colonos ergueram-se precisamente para controlar os poderes da elite do Estado. Washington, quando convidado por seus soldados a assumir o posto de "rei", qual ditador dos Estados Unidos, recusou , e pediu que nunca mais falassem tal absurdo para ele, se tivessem algum respeito por seu general - até hoje, o primeiro presidente é considerado um modelo de conduta e moral pelo povo americano. Temos, então, os dois dados: só o poder absoluto conhece a liberdade absoluta, e a liberdade precisa ser limitada, caso se queira levá-la para a maioria dos homens de uma nação. Podemos voltar à crise presente.

Washington entendeu a importância da moral de um povo para a existência da liberdade, e restringiu seu próprio poder
em outras palavras, sua liberdade - em nome da democracia. A cultura e o bom-senso são o alicerce da liberdade.
Imagem: https://goo.gl/4ygk4k
 O argumento daqueles que defendem a entrada incondicional de refugiados na Europa é que as restrições são quase como um pecado contra a liberdade humana. A realidade é que esses refugiados vêm de nações que não conhecem a liberdade, e eles estão em milhões, não apenas da Síria, mas da África e até mesmo da Ásia Central, aproveitando-se do caos para procurar uma vida melhor. A tentativa é compreensível, mas a entrada indiscriminada, ao invés de propagar a cultura e a civilização europeia, apenas pode substituir o que hoje existe pelo que é trazido pela quantidade maciça de pessoas, em sua maiora, de culturas hostis à liberdade. Não há liberdade entre homens que a odeiam - é por essa razão muito simples que não há liberdade na Arábia Saudita ou no Irã. O raciocínio dos que defendem a imigração "em absoluto" é quase o mesmo dos que acreditavam ser possível levar a democracia ao Iraque através das bombas - e a forma de pensar é tão estúpida quanto, trata-se apenas de outro "ramo" da grande árvore das ideologias. Não há democracia entre as nações que não a querem, não há liberdade em uma cultura que a sufoca - por essa razão muito simples não pode nem poderá haver liberdade sob o véu ou sob as autorizações à escravidão, com base na escritura intocável, para eles, ou sob a violência autorizada contra as mulheres. A desvantagem "demográfica" da proposta de entrada ilimitada é óbvia - apenas em 2015, mais de um milhão de refugiados entraram na Alemanha. Qual parte do mundo possui maior fertilidade e até mesmo mais habitantes, atualmente, a imensidão dos continentes que exportam bocas famintas ou a tímida e pequenina nação no meio da Europa? A resposta aparece nos noticiários e no terror que reina soberano entre a população local. É evidente que nem todo o ingresso deve ser restringido, desde que o candidato seja instruído no modo de viver da "nova casa", e que seja ensinado a amar os mesmos valores da nação que quer ter como anfitriã, ou é algum absurdo pensar dessa forma? George Washington avisava - apenas um povo que ame a moral e a liberdade poderá viver em democracia. Acabe com esses valores, e o que restará é o sofrimento e o poder absoluto, novamente, para a já surrada Europa.

Para além da discussão sobre a entrada de pessoas em tal ou qual país, deve-se lembrar de um dado esquecido, nas atuais discussões. O mundo vive uma das mais importantes guerras dos últimos trinta anos, que talvez diminua de importância apenas em comparação com a Guerra Fria. O atual conflito não é contra apenas uma nação - é contra um sistema de pensamento que se alastrou por uma fração gigantesca do planeta. A ideologia conhecida como "islam político" é a grande força que move organizações como a infame Fraternidade, no Egito, e o califado na Síria. É o motor por trás dos crimes na Nigéria, na Líbia e até no cáucaso, onde Al-Baghdadi já possui soldados em operação. A dimensão do problema é global, e é objetivamente impossivel controlar a atividade dos integrantes desses grupos. Como pode ser possível "abrir fronteiras" nessa situação? O que diriam os generais aliados, durante a última grande guerra, se ouvissem a proposta de "abrir fronteiras"? O resultado que esses generais esperavam impedir é exatamente aquilo que a Europa está vivendo, em episódios que apenas podem ser descritos como massacres - o fruto da ideologia, da caricatura do valor, irresponsável e assassina, são mais de cento e vinte cidadãos franceses mortos, apenas em Paris. As pessoas de ascendência israelita já estão fugindo - em Marselha, uma família foi atacada a golpes de facão enquanto saía de uma sinagoga, por um dos indivíduos piedosamente chamados de "refugiados", há poucos dias. A liberdade absoluta é apenas fruto do delírio, da caricatura mental feita por indivíduos que não fazem a menor ideia das limitações que foram impostas precisamente para garanti-la à maioria das pessoas. Sem limitação à atuação daqueles que querem matar a liberdade, ela é simplesmente impossível.

Tudo o que acontece na Alemanha, na Suécia, na Áustria, na França e nos outros países afetados pela onda de destruição atual é apenas o resultado da aplicação dessa nova ideologia, que já fez seus cadáveres no começo da década de XX em outras vestimentas, na loucura do "democratismo pela guerra". A ideologia não transformou o Iraque em uma nação "ocidental": transformou-o em um inferno. A ideologia do iluminismo radical de Rousseau não transformou a França na mais bela democracia que o mundo já viu - transformou-a em um campo sangrento de terror e cabeças cortadas. A ideologia do comunismo não transformou a nação russa no paraíso da classe trabalhadora - transformou-a em um enorme campo de concentração, e em uma cova coletiva com vinte milhões de cadáveres. Assim como suas irmãs de outras cores, a ideologia da "livre-circulação de pessoas entre países" não está levando a alegria e a riqueza do Ocidente às pessoas que sofrem em seus países de origem - está levando o sofrimento, em massa, em violência indescritível mesmo contra as mulheres que os "amantes da liberdade" dizem defender. Como todas as ideologias, em sua deformação dos sonhos - belos, com absoluta certeza - da humanidade, as promessas de paraíso resultaram em desastre. Tudo o que restou das doces palavras sobre "caridade" foi o gosto amargo da opressão. Resta saber se haverá tempo para salvar a Europa - ou ao menos parte dela - das consequências civilizacionais da insanidade política. No fim, pode ser que haja esperança de salvar a liberdade - e espera-se que os povos, que viveram na pele a dor da realidade, aprendam que essa esperança nunca poderá estar na ideologia.

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