quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O conceito de subversão, conforme Yuri Bezmenov

Karl Radek, líder bolchevique apoiador do sex-lib,
assassinado por Stalin
Imagem: https://goo.gl/KfJvNz
Ao longo da História da União Soviética, a mais eficaz forma de guerra não foi o uso de fuzis e tanques T-34. Enquanto a Rússia de então e o governo atual de Vladimir Putin fazem questão de mostrar o poder militar do regime, com os tradicionais desfiles na Praça Vermelha, o poderio bélico é apenas a última das ferramentas utilizadas na conquista de territórios. A tradição soviética mostra que a melhor forma de combate não exige o disparo de uma única bala - demanda apenas o uso eficaz da grande máquina de propaganda erguida pelo sistema socialista. Essa tática, o "vencer a guerra sem disparar um único tiro", se chama "subversão".

Yuri Bezmenov foi jornalista da agência estatal soviética "Novosti" (Notícias). Foi também membro da KGB, e trabalhou como agente de subversão na Índia e na própria União Soviética, onde sua tarefa era a de passar a melhor imagem possível do regime russo para personalidades estrangeiras em visita ao país. O agente conta que boa parte de seu trabalho consistia em levar os hóspedes "em tour" pelas cidades russas, muitas vezes induzindo-os a consumirem grandes quantidades de bebida alcoólica. Todo o processo visava tornar o visitante "o mais amaciado possível", deixá-lo mais propenso a levar a sério a propaganda oficial do governo soviético. Conforme Bezmenov explica, "a subversão consiste em fazer com que a vítima do processo abandone seus próprios valores, suas próprias crenças, e passe a adotar os valores, crenças e objetivos do grupo ou do país responsável pela ação subversiva". Ele explica que a subversão pode ser dividida em uma série de etapas, na aplicação "macrossocial" (aplicação ampla, com uso de meios de comunicação de massa) e na aplicação individual.

Contra os indivíduos, o processo é extremamente simples. Consiste em levar alguém a, em primeiro lugar, acessar a notícias que favoreçam apenas o ponto de vista do realizador do processo de subversão. O objeto do processo deve ser induzido, pelas informações oferecidas (sempre em viés parcial favorável ao ator), a negar as instituições de seu país ou religião, a entrar em postura de choque ideológico com as forças tradicionais de sua nação. Um cidadão americano, por exemplo, deveria ser exposto a informações que o levassem a desprezar as polícias e o exército de seu país. Um cristão deveria ser levado a acreditar que sua fé é errada, preconceituosa e maligna. Ao mesmo tempo, o objeto do processo deveria ser levado a admirar as instituições do ator do processo, até mesmo a desejar seu sistema político, econômico e moral. 

Na aplicação social, a subversão é dividida entre as seguintes etapas: desmoralização, desestabilização, crise e normalização. A primeira, a desmoralização, é a aplicação do processo individual visto anteriormente a toda uma sociedade. O processo envolve a utilização ampla dos meios de comunicação para construir estereótipos negativos associados ao sistema governamental da nação, despertar o desprezo pela fé tradicional do povo e causar ódio pelo modelo econômico adotado no país. Na primeira etapa da aplicação macrossocial, não há movimentos fortes de propaganda a favor do ator do processo, apenas o ataque aos sistemas de crenças dos sujeitos.

Na segunda etapa da aplicação macrossocial, o objetivo do ator é intensificar os conflitos já existentes dentro da sociedade. A nação que promove as iniciativas subversivas pode estimular grupos antissociais dentro do país à ação, como, por exemplo, estimular ações criminosas. Este modelo foi aplicado com sucesso na Rússia czarista, através da mobilização de grupos guerrilheiros, como o chefiado por Stalin (à serviço do partido bolchevique). Na China, a mesma coisa foi feita pelo Partido Comunista, através da comercialização de ópio - Mao tirou o sustento de toda a sua máquina partidária da droga, e efetivamente criou o modelo que serviria de inspiração para as FARC. Na fase de desestabilização, grupos que são contrários aos sistemas de valores do país também são levados à ação pelo ator, através até mesmo de financiamento direto, como, por exemplo, grupos ligados ao "sex-lib" (Karl Radek, um dos líderes do partido bolchevique, foi ele mesmo um grande expoente do "sex-lib" russo, e seria morto após a revolução a mando de Stalin, em um hospital psiquiátrico da URSS). A ação dos grupos financiados ou estimulados pelo ator do processo subversivo é criada para promover o surgimento da nova etapa da estratégia, que é a crise.

A crise consiste na completa degradação das relações sociais e em um processo de "militarização" da vida, ou de conflitos sistemáticos e sucessivos entre inúmeros grupos sociais. Nesta etapa da estratégia de subversão, quaquer tupo de entendimento pacífico dentro do país é impossível: todas as diferenças resultam em confrontação, por vezes violenta. A Rússia, mais uma vez, é um exemplo clássico: antes da Grande Revolução de Outubro, a movimentação frenética de grupos de assaltantes, traficantes de armas e terroristas levou a dezenas de mortes. Conflitos sangrentos foram registradas em inúmeras partes do país, e grandes "pogroms" levaram à morte muitas pessoas de ascendência judaica, que viram a grande perseguição promovida pelo regime se intensificar, em desajeitada resposta à atividade revolucionária. A população russa, em terrível sofrimento, viu operários serem fuzilados, levantes em diversas partes do país, assassinatos de funcionários do governo e o surgimento dos "sovietes", ou conselhos de deputados operários e soldados, que passaram a exercer uma administração informal sobre partes da sociedade russa, notoriamente o exército e os trabalhadores da cidade (principalmente). De acordo com Yuri Bezmenov, após a intensificação dos conflitos internos no objeto da subversão, o ator do processo tenta promover o surgimento dos "líderes iluminados": figuras desconhecidas que, da noite para o dia, se tornam personagens de grande poder dentro das estruturas de administração paralela, em vários campos da atividade humana. É precisamente esse fenômeno que levou ao poder Vladimir Lenin e Leon Trotsky: ambos eram líderes do governo paralelo dos sovietes, que subitamente se tornaram chefes de Estado, em um período de poucos meses. Durante estes acontecimentos, muitos indivíduos entre os grupos criminosos podem também se apossar de cargos de influência - este é o caso de Stalin, até então, burocrata muito menos influente do que Trotski no Partido Bolchevique, que tinha tido papel muito mais importante no tráfico de armas e assalto na região do Cáucaso do que teria na Grande Revolução. 

Por fim, o processo subversivo termina na etapa da "normalização": conforme Yuri Bezmenov, a expressão foi originalmente usada por Brezhnev para designar a retomada brutal do poder pelo regime comunista Tcheco, em 1968, após a primavera de Praga. Nesta fase da subversão, os recém-empossados líderes passam a desestimular a agitação social ativamente, por vezes através da eliminação física de grupos usados nas etapas anteriores da estratégia. A China comunista serve de exemplo neste ponto: após a proclamação da República Popular, o cultivo da papoula foi proibido, e inúmeros líderes de grupos bandoleiros - antigos aliados de Mao - foram sistematicamente executados. O Partido Comunista nunca mais expôs seu uso do tráfico de drogas para financiamento de seu aparato, e todas as atividades ligadas ao comércio passaram a ser condenadas como crime. A União Soviética viu processo muito semelhante: grupos anarquistas usados durante o processo revolucionário foram proibidos; todos os partidos políticos de esquerda - com excessão do Partido Bolchevique (ou seja, o próprio Partido Comunista) - foram banidos do país e seus líderes que manifestaram resistência foram mortos ou encarcerados. O movimento "sex-lib", que floresceu durante a revolução, foi massacrado - posteriormente, os homossexuais seriam condenados como criminosos a penas nos campos de trabalho forçado do GULAG, ou seriam fuzilados. Um dos partícipes da insurreição francesa de 1789, Pierre Vergniaud, diria: "A revolução devora seus filhos".

O estudo dos conceitos abordados por Yuri Bezmenov permite ter uma visão da tragédia criada pelo movimento comunista, e, em grande medida, do sofrimento trazido por todos os movimentos revolucionários que a humanidade já viu - talvez nem todos, mas certamente os que são inspirados pela "ideologia", aqui conforme o sentido usado por Eric Voegelin. As doces promessas da revolução, na maioria das vezes, se convertem no amargo sabor da desilusão, da fome, da miséria e da morte. Conhecer a arma usada pelas organizações que pretendem destruir a liberdade é a melhor forma de não se deixar seduzir por uma belíssima propaganda, que é nada além da forma mais letal do canto das sereias. 

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